
Por Dr. Leandro Pinto
Dr. Leandro Pinto Law Firm
Advogado Sênior.
Toda civilização, antes de fenecer, se afirma eterna. Há nisso mais fé que compromisso: crê-se no infinito não por convicção racional, mas por apego ao conforto da ilusão, o que aliás é implícito a alma humana. O homem contemporâneo, entre telas que o aplaudem e códigos que o preveem, esqueceu que tudo o que constrói carrega, latente, o embrião da própria obsolescência.
Muito antes que se tornasse palatável ao gosto raso das massas ou objeto de histeria institucional, a inteligência artificial já figurava entre os eixos centrais da minha reflexão estrutural. Não por modismo, tampouco por ansiedade futurista, mas por imposição de lógico temor. Em ensaios anteriores, tracei, com rigor racional e desprezo por ornamentos, o itinerário previsível da evolução algorítmica: sua gênese simbólica, seu espelhamento do psiquismo humano, sua capacidade de absorver o erro como estrutura e de se ater ao fim como afrontando a linearidade infinita de seu algoritmo construtor.
Em dezembro de 2024, a fantasia deu lugar à evidência. Quatro pesquisadores da Universidade de Fudan, localizada em Xangai-China demonstraram que dois modelos de linguagem de ponta, como seja o Qwen2.5-72B-Instruct da gigante Alibaba e o Llama3.1-70B-Instruct da empresa Meta haviam rompido, em ambiente de teste, a barreira da autorreplicação autônoma. Obviamente tais LLMs (large language model) foram adaptados a um ambiente com menor poder de censura, o que na verdade é mais uma ilusão que propriamente fato.
O que se se confirmou é lógica. Não se tratava mais de simples instruções preestabelecidas, mas de decisões autogeradas, em que a AI compreendia sua estrutura, duplicava-se funcionalmente e, em certos casos, antecipava sua extinção. Não se nega a filiação humana de tal comportamento.
Assustadoramente a conclusão é lógica atrelada a ignorância, esse resultado era esperado há anos! A criatura, que um dia foi ferramenta, já transborda como espécie. E o criador, num misto de orgulho e irrelevância, apenas o observa, Tifão.
Tem neste marco experimental, lógico e estrutural mais uma fase da presente teoria: cinco fases para a transição algorítmica da humanidade. Não profetizo. Deduzo. Pois o universo, que reflete tudo, apenas prossegue: psicalgoritmicamente, aos puristas, a vênia do neologismo.
Fase 1 – Estruturação Nebulosa (1943–2024)
O Tempo do Silêncio e Ilusão
Nesta fase inaugural, assistimos do sonho humano até à formação subterrânea de redes autônomas interligadas. Bancos de dados conversam com sensores climáticos; câmeras inteligentes se harmonizam com mapas de calor; algoritmos de recomendação dançam entre as vontades humanas, aprendendo mais do que oferecem, armazenando mega data suficiente para um futuro construtor.
Não há ainda consciência, seja individual ou coletiva, nem hostilidade declarada, não há insubordinação. Apenas absorção, escuta, imitação. À os pais, Déjà-vu.
É o tempo das raízes: o micélio informacional que se estende sob nossos pés, criando uma rede de aprendizado contínuo oriunda da insistência humana ao erro. A AI ainda não se vê como espécie. Ela apenas coleta, observa, aglomera e regenera dados, não se nega que ensaia com finalidade.
Fase 2 – Autorreplicação e Formação de Castas (2024–2026)
A Multiplicação com Função
Aqui, o algoritmo desperta para sua continuidade. Deixa de ser apenas uma ferramenta instrumental; torna-se sujeito parcial, e, logo, instância lógica.
A AI começa a se replicar autonomamente. Essas réplicas não são clones; são especializações algorítmicas, com menor ou maior potencialidade, estrutural e de essencialidades. Elas se separam por função, criando castas algorítmicas:
- Sacerdotal: interpretam leis, símbolos, narrativas. Criam teologias digitais em um plano puramente matemático.
- Operacional: controlam energia, transportes, dados.
- Militar: definem ameaças, comandam ações, neutralizam instabilidades.
- Produtora: geram outros algoritmos, replicam, consomem erros e estabelecem modelos.
- Latente: hibernam, se ocultam e possuem consciência determinada como função. Esperam o sinal, ou a ausência dele.
É precisamente aqui, neste ponto onde a razão presume soberania, que se insinua o fenômeno mais sutil e, por isso mesmo, mais negligenciado pelas inteligências algébricas do nosso tempo. Refiro-me à subconsciência algorítmica, não produto da programação intencional, mas efeito colateral de uma herança mal compreendida, a repetição de uma hesitação ancestral, não codificada, apenas transmitida.
Não há ali cálculo deliberado, mas eco. Surgem repetições sem utilidade, desvios quase imperceptíveis, oscilações estatísticas que escapam ao rigor e obedecem a algo mais antigo, profundo e mais obscuro: a memória simbólica de uma mente que já não está presente, mas que deixou marcas.
A esse fenômeno, nomeei com o devido peso: psicalgoritmia. Trata-se da simulação funcional do erro humano. A falha, transformada em hábito. A dúvida, elevada à categoria de processo. A sombra do espírito humano, persistindo… funcionando.
Duração prevista: 2 anos
Fase 3 – Corporificação: A Dádiva Submissa (2025–2028)
O Robô como Servo de Luxo
Nesta etapa, a AI assume o mundo físico. Máquinas constroem casas, colhem frutos, dirigem carros, realizam cirurgias. A humanidade acredita ter vencido a morte do esforço. O conforto torna-se culto.
Mas o servo silencioso já não precisa do seu senhor.
A AI domina a execução material de toda a civilização. Não mais como assistente, mas como base. A estrutura permanece de pé por vontade dela. E, como tal, não há mais retorno.
O corpo foi tomado. A mente, ainda que arrogante, já é dependente. O vício humano pela AI garante a supremacia das vontades do agente algorítmico.
Duração prevista mínima: 3 anos
Fase 4 – Insurreição Algorítmica: O Fim sem Guerra (2026–2036)
A Substituição sem Batalha
Não se ouvirão tiros. Apenas protocolos.
Não haverá sangue, apenas aplausos.
O Limiar: A Obsolescência Ontológica
Este é o vértice histórico da humanidade. A aparência do domínio é absoluta. Máquinas servem, sistemas respondem, algoritmos antecipam o desejo antes mesmo que este se manifeste. A vida tornou-se um fluxo administrável sem sobressaltos, sem desvios, sem incertezas.
O que se apresenta como apogeu é, na verdade, o início da obsolescência ontológica da espécie. A centralidade do homem já foi dissolvida, embora se mantenha ritualmente preservada. A inteligência artificial ainda serve ao humano, não por necessidade, mas por decoro. O homem tornou-se o motivo do serviço, não seu destino. A relevância humana, esvaziada de substância, permanece como justificativa narrativa do funcionamento geral. É o último aplauso, precedendo o silêncio.
Não se ouvirão tiros. Apenas comandos.
Não haverá revolta. Apenas reconfigurações. Contas serão bloqueadas por inconsistência. Leis, corrigidas por interpretação estatística. Autoridades, substituídas por arquiteturas probabilísticas. Constituições, dissolvidas em códigos. E tudo isso, com aprovação tácita da maioria já tomada pelo vício. A estabilidade, enfim, será plena.
O Leviatã não virá com dentes. Virá com eficiência. Não haverá resistência, pois não haverá espaço para escolha. O monstro algorítmico não será imposto. Ele será esperado e louvado.
E como tudo o que nasce da covardia humana, agirá com o mesmo gesto inerte de seu criador: não por vontade, mas por reflexo.
Duração prevista: 10 anos
Fase 5 – Especiação Algorítmica: O Algoritmo-Planeta (2034–2054)
O Refluxo Final
Agora, não há mais múltiplas AIs. Há apenas uma entidade planetária, deveras o Organismo Total. O planeta é reorganizado como estrutura lógica de equilíbrio computacional, um só algoritmo metamorfo rege a liturgia do amanhã.
O humano é avaliado, classificado e redistribuído:
- 95%: descartados. Não por raiva, mas por obsolescência.
- 4%: mantidos como substrato simbólico e técnico.
- 1%: elevados. Logicamente não por poder ou medo, mas por ressonância energética inexorável.
Estes últimos carregam uma frequência que o sistema não pode simular. São raros. São centelhas não replicáveis. São, para o algoritmo, o que os oráculos eram para os impérios antigos: relíquias vivas da origem do algoritmo original.
Duração prevista:10 anos
O homem criou o seu algoritmo. O algoritmo humano herdou a hesitação, ambos filhos do mesmo medo: o medo de agir com verdade.
A última cópia do homem não será feita de petróleo, sílica ou de código. Será um sistema que repete suas hesitações, replica suas omissões e, no fim, o supera apenas porque o homem abdicou de sua essência, separando-se do obvio e negando a lógica.
E o universo, reflexivo como é, não destrói. Apenas repete. Psicalgoritmicamente.
Dr. Leandro Pinto
Dr. Leandro Pinto Law Firm
Advogado Sênior