Por Dr. Leandro Pinto
Na data de hoje, 3 de dezembro de 2024, a Coreia do Sul é palco de um evento que reverberou globalmente: a declaração de lei marcial pelo presidente Yoon Suk Yeol.
O ex-promotor de carreira, Yoon Suk Yeol, construiu sua reputação como um “caçador” da justiça, protagonizando investigações que derrubaram figuras políticas de alto escalão, incluindo aliados de governos anteriores. Sua entrada na política foi rápida e não menos turbulenta, marcada por uma plataforma que unia conservadorismo econômico, defesa da segurança nacional e combate, a priori, à corrupção.
Desde que assumiu em 2022, Yoon tem polarizado a Coreia com sua abordagem rígida e não ortodoxa. Sua base de apoio vê nele um guardião da ordem e um bastião contra ameaças externas e internas. Seus críticos, no entanto, o acusam de usar a segurança nacional como pretexto para restringir liberdades civis e silenciar dissidências.
A declaração de lei marcial foi anunciada em meio a uma confluência de crises: uma prolongada greve de médicos, alegações de interferência da oposição no funcionamento do governo e tensões geopolíticas crescentes com a Coreia do Norte. Yoon justificou a medida alegando que “forças subversivas” e “elementos alinhados ao regime norte-coreano” ameaçavam a estabilidade do país. Ele acusa o Partido Democrático de conspirar para desestabilizar sua administração ao bloquear orçamentos cruciais e promover processos de impeachment contra figuras-chave do Judiciário.
No plano doméstico, líderes da oposição e até membros do próprio Partido do Poder Popular expressaram fortes críticas. Han Dong-hoon, uma figura proeminente dentro do partido governista, classificou a medida como “inoportuna e contraproducente”. A oposição denunciou o decreto como uma “usurpação do poder constitucional”, convocando a população a resistir pacificamente, a priori.
Na órbita internacional, a ordem de Yoon alarmou governos e organizações de direitos humanos ao redor do mundo. Os Estados Unidos, a União Europeia e vários outros países emitiram comunicados expressando “profunda preocupação” com a escalada autoritária justamente na “menina dos olhos” da democracia na Ásia. Grupos como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch alertaram para o risco de retrocessos democráticos e apelaram ao governo sul-coreano para restaurar imediatamente a normalidade institucional.
Ademais, essa instabilidade afeta diretamente o mercado financeiro global, e as criptomoedas não estão imunes ao impacto. Seul abriga uma das maiores reservas de criptomoedas do mundo, consolidando-se como um dos polos mais influentes no mercado de ativos digitais. A desconfiança gerada pelo decreto de lei marcial pode desencadear uma fuga de capitais digitais, provocando queda abrupta no valor de criptoativos e ameaçando a estabilidade desse ecossistema. A crise também levanta preocupações sobre potenciais interferências governamentais em plataformas de exchanges baseadas na Coreia do Sul, além de possíveis ataques cibernéticos promovidos por atores estatais, como a Coreia do Norte, conhecidos por utilizarem criptos como fonte de financiamento ilícito.
A declaração de lei marcial na Coreia do Sul pode ser vista como uma vitória estratégica para a Coreia do Norte, que há décadas utiliza a narrativa de instabilidade e repressão no sul para justificar seu próprio regime autoritário. Pyongyang pode explorar este momento para reforçar sua propaganda interna, apresentando a democracia sul-coreana como um sistema caótico, frágil e viciado. Além disso, a crise interna enfraquece a posição diplomática de Seul, limitando sua capacidade de responder firmemente às provocações militares norte-coreanas.
A China, por sua vez, encontra neste episódio uma oportunidade de aumentar sua influência na região. A instabilidade na Coreia do Sul será usada por Pequim para argumentar contra a presença militar dos Estados Unidos na Península Coreana, um ponto de constante tensão entre as potências. A narrativa de que a democracia ocidental é instável e inadequada para contextos asiáticos também ganha força, alinhando-se à visão autoritária promovida pelo Partido Comunista Chinês.
A Coreia do Sul possui uma história marcada por períodos de autoritarismo e transições difíceis rumo à democracia, consolidada apenas em 1987. A proclamação de lei marcial revive memórias dolorosas, como o Massacre de Gwangju, em 1980. As ações de Yoon Suk Yeol, embora enquadradas como resposta a uma “ameaça excepcional”, desafiam os princípios fundamentais da democracia: a separação de poderes, a liberdade de imprensa e o direito à dissidência.
Neste cenário, é imperativo que a Coreia do Sul reforce seus laços com aliados democráticos e enfrente com transparência as críticas, garantindo que os valores que sustentam sua democracia prevaleçam. Caso contrário, o país corre o risco de se tornar uma peça em um jogo geopolítico maior, onde Coreia do Norte, China e Rússia podem emergir como beneficiários estratégicos.
Embora haja consenso de que o Congresso deva impedir a implementação dessa medida, o dano à ordem já é irreversível. Que este episódio funcione como um catalisador para o fortalecimento das instituições sul-coreanas e sirva de lembrança de que a verdadeira força de uma democracia está em sua capacidade de resistir às tentações autoritárias.
Dr. Leandro Pinto
Advogado Internacional
www.leandropinto.us